RESUMO: Esta minha análise tem como objectivo reflectir sobre duas etapas primordiais para o desenvolvimento humano: a fase da infância e a da velhice. Porque nascemos e envelhecemos? Como evoluímos e morremos?
É senso comum que a criança é um ser indefeso, independente, frágil a necessitar de protecção, ingénua, mas que é a representação do futuro. Da mesma forma o conhecimento vulgar acerca da velhice é também uma etapa de dependência, de deterioração, de encargo, declínio físico e cognitivo, isolamento e que não tem mais futuro, restando esperar a morte. Apesar de haver algumas verdades na tradição cultural de encarar essas fases do ciclo de vida, estas etapas são fundamentais através dos seus papéis e responsabilidades sociais para influenciar a forma como se processa o desenvolvimento humano.
Palavras- chave: Desenvolvimento, infância, vinculação, criança, velhice, sabedoria, cognitivo, psicossocial.
O desenvolvimento é determinado pelo factor tempo, tem um suporte cronológico e inicia-se desde o período da concepção. É caracterizado por mudanças biológicas, psicológicas, contextuais e sociais, de forma contínua, gradual e cumulativa, que através das suas interacções, determinam os vários estádios de desenvolvimento ao longo do ciclo de vida. Durante este processo evolutivo que é irreversível e unidireccional, é condicionado pelos factores nature ou hereditariedade e pelo nuture ou meio ambiente. Para explicar esse desenvolvimento surgiram as teorias cognitivas (Piaget), psicossocial (Erikson) e psicosexual (Freud)
A infância é caracterizada por 3 fases etárias, que vão desde o nascimento até aos 2 anos, o período pré-escolar entre os 2 e os 6 anos, e o período escolar entre os 6 e os 11-12 anos. A fase etária da velhice é determinada por factores socioeconómicos, quando entra na reforma, por volta dos 60-65 anos, até à sua morte.
Tanto na infância como na velhice, o desenvolvimento psicossocial vai depender das experiencias vividas anteriormente e a forma como foram ultrapassadas, bem como os desenvolvimentos físicos e cognitivos por que passam os indivíduos e a influencia do meio ambiente. Este desenvolvimento vai determinar os papéis sociais do indivíduo e a sua integração social.
O desenvolvimento psicológico é caracterizado pela vinculação e separação - individualização, alternando ao longo do ciclo da vida entre estes dois processos. Ainsworh (1973) identificou que a vinculação é uma necessidade inata a qualquer ser e que nos humanos irá variar entre a separação-individualização ao longo do ciclo de vida. Assim na primeira infância até aos 2 anos existe um vínculo emocional muito forte, entre o bebé e o seu cuidador[i] estabelecendo contactos e laços recíprocos, gerando sentimentos de segurança e satisfação no bebé. É esta relação e sentimento que vai permitir à criança ultrapassar a crise psicossocial que Erikson (1976) designou de confiança vs desconfiança, pois se o seu cuidador lhe vincular um sentimento de confiança no mundo que o rodeia, o bebé desenvolverá a esperança que facilitará os relacionamentos futuros. Esta fase foi identificada também por Freud (1964) como o estádio oral, pela interacção entre o bebé e o seu cuidador, na satisfação das suas necessidades primárias. O processo seguinte da autonomia, será de separação-individulização e que estimula novamente a vinculação. Erikson (1976) determinou esta crise psicossocial como a da autonomia vs duvida e vergonha, pois a criança mostra a sua autonomia, que se não for orientada e protegida pelo adulto, pode criar um sentimento de dúvida e vergonha, pela exposição e dependência que ainda tem do cuidador. Freud (1964) classificou como estádio anal, onde a criança demonstra a sua vontade e autonomia, pelo controle das fezes.
Na fase pré-escolar, acentua-se mais a separação- individualização, com a maior autonomia e individualização da criança e com o desenvolvimento da socialização da criança, estimulando novamente a vinculação para as relações sociais, com a tomada de consciência dos seus papéis sociais e dos outros, das normas e regras sociais. A criança desenvolve o seu autoconceito, a sua personalidade, a individualização e independência, passando pela crise psicossocial, que Erikson determinou de iniciativa vs culpa, no controlo das suas múltiplas emoções, como medo, ansiedade, ira, afecto, alegria, a juntar à curiosidade sexual. Assim se a criança tiver resolvido as suas crises anteriores positivamente, será fácil ter iniciativa para autonomamente superar os fracassos, resolver problemas e desafios que lhe apareçam. Freud chama a esta fase de estádio fálico, através dos conflitos do complexo de Édipo e Electra, com os sentimentos de culpa, receios e angustia e comportamentos agressivos. A resolução destes complexos, passa pela renúncia ao desejo sexual pelo progenitor e será influenciada pelo meio ambiente que irá determinar a sua identidade de género. A personalidade reforça-se, condicionada pelos factores culturais e sociais, pelo meio externo e pela forma como se processa a sua socialização primária e a sua interacção e relacionamento, com o seu cuidador como com os outros. É por isso bastante importante que seja ultrapassada de forma positiva, pois é determinante para a formação da personalidade adulta e pela maneira como resolverá situações problemáticas no futuro.
Na idade escolar aperfeiçoa o seu autoconceito e experimenta uma maior liberdade, descobre novas regras morais, novos rituais sociais e a autoridade, fomenta a relação com os pares, tem um maior desenvolvimento intelectual e desenvolve as amizades. É a fase da produtividade, desenvolvimento, aprendizagem e competências, que Erikson caracteriza pela crise industria vs inferioridade. A resolução desta crise de forma positiva vai permitir à criança a sua autoconfiança, motivação e segurança para a resolução de problemas cada vez mais complexos.
Na velhice a vinculação volta a ser muito importante, tal como acontecia na primeira infância, devido à perca de independência e autonomia e à diminuição do seu autoconceito, desvalorizando-se como pessoa e redução da autoestima. É interessante que esta vinculação ainda irá perdurar para além da morte do idoso, através da recordação dos laços afectivos pelos descendentes.
A crise psicossocial desta fase é a da integridade vs desespero e, segundo Erikson, se a reflexão que o idoso fizer do seu percurso de vida for de uma vida produtiva em vez de uma vida sem sentido, viverá esta fase com serenidade, paz, alcançando a sabedoria, como forma de maturação total do desenvolvimento. A sabedoria do idoso é identificada por uma inteligência pragmática e um elevado nível de conhecimento (Baltes, 1994), por um metacognição, reconhecendo que o conhecimento é limitado, falível e que ninguém sabe tudo (Sternberg, de Meacham, Kitchener, e Brenner, 1990). A sabedoria está na maneira como o idoso encara o seu conhecimento e o utiliza. Para Kramer (1990) a sabedoria prende-se com o autoconhecimento e com o desenvolvimento da personalidade. Pascual-Leone (1990) acrescenta que a sabedoria é o resultado das experiencias de vida, do tipo de educação e das interacções que se tem em criança e que contribuíram para o desenvolvimento cognitivo, afectivo e da personalidade do idoso. O idoso sábio é aquele, que tem um elevado desenvolvimento do raciocínio e da inteligência, tem um sentido de sagacidade elevado, um elevado conhecimento de si e dos outros, uma forte motivação, uma atitude crítica e reflexiva sobre as coisas, não têm receio de tomar decisões, de assumir responsabilidades e de sentirem que estão em constante aprendizagem, são sensíveis, afectuosos e ainda se encontram activos. O reconhecimento destas características pela sociedade e pelos indivíduos que interagem com o idoso, dá-lhes uma maior autoestima, motivação, proporciona melhor qualidade de vida e permite aceitar a morte com serenidade, como mais uma fase da vida, como um acontecimento natural do desenvolvimento do ciclo de vida. Esta percepção da morte depende do contexto cultural do idoso e tem que passar a ser encarada como mais uma fase da vida de forma natural.
CONCLUSÃO: A infância e a velhice são os e extremos do desenvolvimento humano com diferenças e particularidades nas suas mudanças e transformações. São estas 2 fases que vão influenciar o desenvolvimento das outras fases do ciclo de vida e a natureza das sociedades e dos contextos culturais. As sociedades e a forma como as pessoas vivem, estão actualmente centradas na etapa de vida dos adultos, feita no presente e nas características da etapa dos adultos. Mas com o aumento da esperança de vida a e redução da taxa de natalidade (exemplo da sociedade baseada na etapa adulta), as sociedades estão cada vez mais envelhecidas. Através das suas experiencias de vida, o idoso pode contribui para o enriquecimento social, sendo necessário valorizar esta etapa. Promover a importância da criança na sociedade é também uma forma de formar melhores adultos, promover melhores relações sociais e familiares, o respeito pelo ser humano e a promoção da cidadania. Uma velhice promotora de valores de esperança de vida servirá de exemplo para a formação das crianças e para determinar um sentido de vida. É necessário valorizar e desenvolver os processos de vinculação, tanto na infância como na velhice e reconhecer a validade da sabedoria dos idosos, para que o desenvolvimento humano adquira sentido ao longo das suas várias etapas.
[i] Refiro-me à figura que cuida da criança, que poderá ser a figura maternal, como a paternal, mãe adoptiva, pai adoptivo, ou outra pessoa que tenha a responsabilidade e a protecção da criança, não descriminando género e papel social
BIBLIOGRAFIA
- Bastos, A. (2010) Psicologia do Desenvolvimento Adulto e Envelhecimento: Contribuições da Teoria e Investigação, Instituto Politécnico de Viana do Castelo, ESSE
- Cerceira, J. (2009) Vinculação e funcionamento cognitivo da criança: o contexto de interacção mãe-filho, disponível em http://www.psicologia.com.pt/artigos/ver_artigo_licenciatura.php?codigo=TL0135 [acedido em 17/05/2011]
- Marchand, H.(2001), A Sabedoria, excerto do texto Temas de Desenvolvimento Psicológico do Adulto e do Idoso, (n.d)
- Silva, L.R.F. (2008) Da velhice à terceira idade: o percurso histórico das identidades atreladas ao processo de envelhecimento, jan-mar(v.15,n.1, p155-168)
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- Oliveira, M.C. & Cunha, M.I.S.M.(n.d) Infância e Desenvolvimento, Escola Superior de Educaçao e Paula Frassinetti